TESTAMENTO VITAL (LIVING WILL)[1]

 

Chama-se de testamento vital ou declaração de vontade antecipada ou diretriz antecipada de vontade um documento previamente produzido por alguém maior de idade e plenamente capaz na concepção da lei, tendo por objetivo considerar aquilo que está expresso por sua vontade, quando diante de doença grave e incurável, e quando não estiver mais em condições de manifestar a sua vontade. O alvo da questão é autorizar a não utilização de tratamento fútil ou condutas desnecessárias, e com isso assegurar-lhe, no seu entender, uma “morte digna”. Esta não é uma proposta de entendimento pacificado.

Para uns, como a maioria dos médicos – que se inclina cada vez mais em favor do modelo autonomista em respeito aos pacientes –, nem sempre as situações do paciente terminal ou do portador de estado vegetativo irreversível são claras a ponto de se tomar uma atitude tão imediata e tão radical. Há também o problema de a definição da suspensão dos meios ou tratamentos ficar nas mãos de parentes ou até de amigos, quando deveria ser do médico tal decisão. Para os defensores desta posição, a decisão deve ser do médico assistente, da forma mais criteriosa, pois ele sabe usar o bom senso e não ultrapassar o que é ética e cientificamente correto, não causando sofrimento ilimitado ao paciente e nem agindo de forma precipitada. Dizer que o médico necessita de um documento que lhe dê amparo e orientação para agir profissionalmente soa mal.

No Brasil, ninguém é impedido de ter sua vontade registrada em um cartório, no que diz respeito à assistência médica no caso de doença sem cura, mas não há legislação que garanta que o médico vá cumprir o desejo do doente ou que a família concorde. Por isso, tal direito é pouco exercido.

Um dos itens constantes desses testamentos é a sigla DNR-Order (ordem de não ressuscitar) e, entre nós, NR. Agora se ampliou mais para Do Not Attempt Resuscitation Order (ordem para não tentar ressuscitar). Outro item constante em alguns testamentos vitais é o de não alimentar os portadores de estado vegetativo permanente.

Os que defendem a ideia do testamento vital dizem que a questão não é institucionalizar a eutanásia nem abreviar a morte de uma pessoa que assinou um documento de forma livre e consciente, embora num momento crucial da vida de cada um. Afirmam: trata-se de um documento assinado por alguém que usou o princípio fundamental da autonomia em matéria de cuidados médicos e que deve ser respeitado integralmente conforme sua vontade. Assim, isto influiria de certa forma de não tratamento em respeito a uma determinação do paciente que poderia estar incapacitado de manifestar sua vontade no momento crítico de sua doença.

Ser a favor ou contra a declaração de vontade antecipada do paciente pode até ser um assunto permanente nas discussões e nas teses acadêmicas dos bioeticistas. Todavia, diz a experiência que questão será sempre avaliada de forma correta e respeitosa quando chegar o momento exato da suspensão dos meios artificiais de vida ou da retirada dos recursos terapêuticos.

É claro que, nesta discussão, também estarão interessados os gestores de seguros e planos de saúde que certamente enxergarão o problema sob a ótica de outros interesses, sem esquecer ainda as razões inconfessáveis de certo tipo de familiar.

Mesmo que a maioria dos países aceite o testamento vital, no Brasil não há regulamentação sobre o assunto. Ninguém está impedido de fazer um registro cartorial de sua vontade em relação a sua assistência médica nos momentos críticos. No entanto, na hora de fazer valer este documento saber qual o amparo que a lei dá ao médico para cumprir a vontade do paciente e em que dispositivo do Código de Ética Médica está estatuída tal prerrogativa.

Muitas vezes, o momento em que o indivíduo subscreve este documento é de muita tensão e pressão e, por isso, condicionada a assinar o testamento. Alguns deles talvez nem venham a ler tal declaração. As maiores vítimas serão os idosos nesse momento em que os velhos são mais e mais desvalorizados. Não será nenhuma surpresa que amanhã alguém seja obrigado ou pressionado a assinar um termo dessa natureza como condição necessária para o internamento de uma doença grave, ou até mesmo no momento em que venha aderir a um seguro ou plano de saúde como condição obrigatória do benefício.

Uma das questões mal definidas nesse assunto está nos limites dos requisitos formais, pois qualquer ato normativo impõe pressupostos dessa ordem. Na prática, pode ocorrer a não sujeição do médico às cláusulas constantes desses testamentos. Em assuntos dessa ordem é muito difícil se agir, pois se está numa profissão de momentos tão circunstanciais e onde o médico não se sinta obrigado a atuar por meio de condutas listadas em um protocolo que está muito mais voltado para um conceito de ordem ideológica. Coisas que acontecem neste momento tão difícil na vida humana devem vir com a discussão, caso a caso, e na conformidade de como a profissão médica vem atuando até agora. É difícil, como querem muitos, legislar sobre fatos imemoriais.

Agora, o Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução CFM n.º 1.995/2012, define diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.

Orienta que, nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade. Afirma ainda que, caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico. Todavia, o médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica.

As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares, diz a citada Resolução. E mais: O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente. E não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente.



[1] FRANÇA. Genival Veloso de. Direito médico. - 14.ed., rev. e atual.  – Rio de Janeiro: Forense, 2017, pp.560-562,

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